Carta de Amor – 19/05/2022

A minha mão envelhecida segura o corrimão com a força e a vontade de quem se agarra à vida. Neste preciso momento começa uma viagem que não quero fazer. Quem quer ir para o calabouço? Quem se dispõem de livre e espontânea vontade a ser enterrado vivo?

Fugiu-me o tempo por entre os dias que vivi apressada e agora, agora que tenho mais vagar, não me restam mais dias daqueles repletos de coisas para fazer. Sei que doravante, o relógio que corria incessantemente, abrandará o ritmo dos seus ponteiros fazendo-me aguardar a morte da maneira mais lenta e dolorosa que conseguir. Sim, é a vingança do tempo, que nos últimos 75 anos se sentiu espezinhado e desprezado por mim, a dar um ar da sua graça e a exigir de volta o respeito que merece.

Percebo agora que corri tanto, labutei tanto, fiz tanto que não desfrutei de cada ocasião. Reconheço que nem me recordo da maior parte das coisas que construí, contudo sei que foram muitas, imensas, demasiadas. De tal forma excessivas que tenho a plena consciência que dei muito pouco. Amor, faltou-me dar todo o amor possível a quem amei. É por este motivo que não quero soltar o corrimão, pois sei que quando o fizer e partir nesta viagem, não mais voltarei a esta casa, a esta vida. Não mais voltarei ao amor.

Matilde