Bruna… Mulher da vida – Capítulo V

Clarisse decidiu que Bruna teria a educação escolar de uma princesa e naquele fim de verão inscreveu a filha no melhor colégio de Lisboa. Desejava com todo o fervor que ela fosse independente – para não ter que aturar homem algum – e faria tudo o que estivesse ao seu alcance para o concretizar proporcionando-lhe caminhos diferentes, trilhos aliciantes, veredas sedutoras. Porém, foi no percurso que a levava à afamada escola que Bruna acabou por conhecer o grande e único amor da sua vida. Tomé trabalhava numa obra que decorria no prédio mesmo em frente ao colégio que amada frequentava. Tinha vinte e um anos e a pureza de um miúdo de dez. Era crédulo e ingénuo. A sua família, gente de poucas posses, não o tinha posto a estudar. Cedo começou a trabalhar e, parco em estudos, acabou por entrar na construção civil. Como ajudante de pedreiro não arranjava muito dinheiro, mas a sua vontade e empenho levaram-no rapidamente a subir na carreira. Certo é que aos vinte e poucos anos, era ele quem precisava de dois ajudantes, que muitas vezes não conseguiam dar vazão à rapidez e destreza do jovem. A vida da sua doente mãe, do seu pai e das suas duas irmãs melhorou significativamente quando Tomé passou a ser pedreiro. Agora havia um papo-seco inteiro para cada um e o chicharro já não tinha de ser dividido pelos cinco. Não pensem que é exagero. Quantas e quantas vezes, Tomé deixara de comer desejando que o feijão do jantar fosse suficiente para permitir aos outros membros da família não dormirem com fome. Dizia que os colegas lhe tinham enchido o bucho de chouriço, torresmos, pão e vinho, que se tinha consolado para duas semanas, que nem conseguia pensar em comida. As irmãs invejavam-lhe a sorte. Os pais fingiam acreditar.
A diferença de idades não era evidente, talvez pela jovialidade concedida ao moço pelos seus caracóis louros e desgrenhados, ou pelo brilho dos seus olhos esverdeados, ou pelo branco do seu sorriso. Era de facto um lindo rapaz, o Tomé. Muitas foram as trocas de olhares até ao dia em que ao ver Bruna a fugir da chuva, se encheu de coragem e atrevimento e, pegando no seu velho e polido casaco, correu direito a ela para lhe cobrir a cabeça até chegarem debaixo de uma varanda qualquer. E foi debaixo de uma varanda qualquer que deram o primeiro beijo, mesmo antes de saberem o nome um do outro, mesmo antes de trocarem uma palavra que fosse. Foi o primeiro beijo para ambos, e talvez por isso, foi doce, suave, lento e cheio de real ternura. Quando acabou, olharam-se fixamente e Tomé sorriu tão intensa e honestamente, que Bruna sentiu-se a recuperar a confiança nos sentimentos e na vida, que perdera quando Jerónimo a deixou. Recuperou, mas depressa viria a perdê-la.